O arquiteto Matheus Garcia, 23 anos, estava em um sábado à noite de bobeira no Grindr, aplicativo de relacionamento dedicado às comunidades gay, bi, trans e queer, quando começou a conversar com Lucas.
Matheus sugeriu que os dois fossem conversar em outro aplicativo. “Ele disse que o Instagram dele tinha sido bloqueado e me pediu o WhatsApp. Mas, como ele não me chamou, achei que não queria mais falar ou que tivesse esquecido”, explica ele, em entrevista a Marie Claire.
Na manhã seguinte, Matheus recebeu uma mensagem, supostamente envida pela Polícia Civil, dizendo para ele entrar em contato a fim de esclarecer alguns fatos.
“Me chamo Ivan Amorim, delegado titular da 1ª DP de ações contra pedofilia e assédio sexual. To entrando em contato com sua pessoa para esclarecer alguns fatos que envolvem sua pessoa e suas imagens. O assunto é de extrema urgência, aguardo seu retorno imediato”, dizia a mensagem.
Além dos erros de português que constavam na mensagem e chamaram a atenção de Matheus, ele sabia que a Polícia Civil não entra em contato pelo WhatsApp -- procurada por Marie Claire, a instituição confirmou que esse tipo de mensagem não faz parte de suas práticas. Ainda assim, o arquiteto ficou intrigado, querendo entender o que estava acontecendo, e atendeu a ligação do suposto delegado.
“Ele disse ser de Porto Alegre, mas o DDD era de São Paulo. Começou a falar que a família do Lucas [o rapaz com quem ele havia falado no aplicativo] estava na delegacia e que ele era menor de idade. Afirmou que eles queriam me expor na internet com prints e tudo para eu perder minha reputação, além de eu poder ser preso.”
“Foram mais de 15 minutos de conversa. Ele insistia a todo momento dizendo que eu sabia, sim, que o rapaz era menor de idade. Eu afirmava que não, porque no aplicativo só pode entrar quem é maior de 18 anos. O suposto delegado falou que eu deveria ter perguntado, e eu falei: 'Olha, se ele mentiu no aplicativo, não é para mim que ele ia falar a verdade, não é mesmo?'.”
Vendo que Matheus não estava caindo na história, o golpista foi além e disse que a família de Lucas havia destruído a própria casa durante uma briga, ao descobrir que o filho estava no Grindr. O suposto delegado chegou a enviar um vídeo com imagens de uma casa bagunçada.
Então o criminoso deu a Matheus duas opções: ou seria expedido um mandado de prisão preventiva para ele, ou arcaria com mais de R$ 3.000 para que a família pudesse repor os bens quebrados na tal briga.
“Se eu pagasse, ele dizia que a família esqueceria tudo. Eu simplesmente desliguei. Via mensagens, continuaram me ameaçando, dizendo que eu estava brigando com a Justiça. Até mandaram um vídeo de uma suposta papelada da prisão preventiva, mas estava datado de 20 de outubro de 2022. Ele tentou dar o golpe, mas não se atentou aos detalhes”, completa.
Um golpe comum
Matheus decidiu compartilhar com seus seguidores a história, muito como um alerta para que ninguém passasse pelo mesmo que ele. O que ele não contava era que os tuítes iriam viralizar e contariam com mais de 30 mil curtidas e 5.000 retuítes.
Além disso, apareceram várias pessoas dizendo que passaram por golpe parecido no Grindr. Uma delas era o designer gráfico Heitor Simonetti, 24 anos, que ficou abismado ao ver as postagens de Matheus, pois até os vídeos que recebeu em seu WhatsApp eram iguais.
Em fevereiro deste ano, Heitor conversou com um rapaz no aplicativo que dizia se chamar Felipe Kruegger. Depois de falar um pouco, ele pediu o telefone de Heitor. No outro dia, um homem dizendo ser delegado e chamar Wilton Garcia entrou em contato com ele, acusando-o da mesma coisa que Matheus: de ter se relacionado com uma pessoa menor de idade.
Na época, o designer ficou assustado, pois as imagens da casa quebrada e do suposto documento de prisão preventiva o pegaram de surpresa. Mas ele também logo percebeu que se tratava de um golpe.
“Ele propôs o seguinte: como o computador e o celular não eram dele, e os pais tinham quebrado na briga, ele queria que eu pagasse o conserto dos dois, e o pai retiraria a queixa contra mim. Eu não me lembro ao certo quanto foi o valor que ele pediu, mas era em torno de R$ 4.000. E nisso eu me toquei: é golpe, e dos ruins ainda! O medo que eu estava virou piada”, conta.
Mas Heitor queria ver até que ponto ia a mentira. “Perguntei como que seria feito o pagamento, se eu tinha tempo para ir atrás do dinheiro, porque eu não possuía essa grana na hora. Ele falou que teria que ser feito em até meia hora o pagamento. Eu falei só tinha R$ 500 na conta, ele sugeriu que desse isso e passasse todos os meus dados. O pai ia comprar um computador e um celular no crediário, em meu nome."
No fim, o criminoso desligou. “Ele tentou me ligar de novo, eu nem dei bola e bloqueei."
Heitor decidiu que não iria registrar boletim de ocorrência e que aquela seria apenas uma história para contar. Já Matheus optou pelo caminho contrário e afirmou que vai registrar o caso na delegacia.
“Muitas pessoas falaram para fazer logo, quando postei. E também por ele ter me chamado pelo meu nome completo, sendo que no Grindr o meu nome tem apenas a letra M. Não sabia de onde ele tirou o meu nome. Talvez ele poderia ter até outros dados. Por isso, preferi abrir a ocorrência”, finaliza.
Como não cair no golpe?
Golpes pelo WhatsApp estão se tornando cada vez mais comuns. Um dado levantado pela consultoria Kasperky, em 2022, mostrou que o brasileiro foi o alvo mais visado em golpes no WhatsApp, tendo mais de 76 mil tentativas dessa fraude no país no ano passado.
Para evitar cair nesse tipo de golpe, o delegado Carlos Afonso, do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) dá algumas dicas. "Primeiro, não atenda chamadas de números que não estejam previamente cadastrados. Segundo, não clique em nenhum link que lhe seja enviado e não responda às mensagens de números que não estejam em sua lista de contatos."
O Grindr mantém em sua Central de Ajuda uma página de orientações sobre como não cair em golpes como esse. Clique aqui e leia os golpes mais comuns.
Fonte: Marie Claire e Grindr
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